Remake expande a história com mais foco nas relações ente os personagens, ótimas performances, visuais sólidos e a entrega estelar de Bailey como Ariel.
Quando eu comecei o trabalho com o Almanaque Disney (AD, pra quase todo mundo) lá em 2019, uma das primeiras grandes notícias que eu cobri foi a escolha da Disney em escalar a atriz e cantora Halle Bailey como Ariel no live-action de A Pequena Sereia, projeto anunciado pelo estúdio anos antes, em 2016. O nome dela não me era estranho, conhecia algumas de suas músicas como parte do duo com a irmã mais velha, Chloe, e sabia que ela já tinha estrelado trabalhos na TV.
Com a produção do live-action adiada em razão da pandemia, e com a estreia marcada para esta semana, tive tempo de sobra para acompanhar mais da carreira de Halle e conhecer a versatilidade dela enquanto artista. E por que começar essa crítica falando dela? Bem, Halle Bailey é a alma dessa nova versão de A Pequena Sereia. Ela é Ariel em cada pequeno gesto de sua interpretação, na determinação e paixão no olhar em ter mais da vida do que seu pai a oferece, e no fascínio tangível pelo complexo mundo da superfície.
Halle também presenteia Ariel com sua potente voz, que faz de Parte do Seu Mundo/Part Of Your World um momento ainda mais emocionante e potente que na versão original, onde a emoção se pautava pela intimidade da voz da também excelente Jodi Benson. A entrega da atriz em termos de interpretação e de realmente incorporar a essência da personagem é algo não visto antes nas versões em live-action das Princesas Disney, nem mesmo na Cinderela meiga de Lily James ou na Jasmine confiante de Naomi Scott.
A Pequena Sereia se mantém bem fiel à história original, mas não permite que isso o limite. O filme faz adições à trama que desenvolvem ainda melhor as relações entre os personagens. A mudança mais significativa diz respeito ao Príncipe Eric (Jonah Hauer-King), que ganha mais personalidade e toda uma nova narrativa com sua mãe, a Rainha Selina (Noma Dumezweni), uma nova personagem dessa versão.
O elenco se destaca
Ainda que Halle Bailey domine o filme com sua interpretação, inclusive nos momentos em que sequer pode falar, A Pequena Sereia também conta com ótimas performances de seu elenco coadjuvante. O destaque mais evidente é Melissa McCarthy e sua entrega deliciosa como Úrsula. A atriz, muito conhecida por seus trabalhos na comédia, acerta em cheio ao unir o lado cômico e sarcástico da vilã com a faceta mais ameaçadora e maligna da Bruxa do Mar. Melissa transita entre essas características com tranquilidade e com talento de sobra, mostrando mais uma vez que ela sempre foi uma atriz de mão cheia.
O Eric de Jonah Hauer-King traz o carisma e o charme do personagem bem característicos da animação. A química do ator com Halle Bailey transborda na tela, fazendo ser quase impossível não torcer pelo romance entre Ariel e Eric. Já os bichos realistas são muito estranhos nos primeiros momentos do longa, mas isso é compensado com o trabalho de voz bem dirigido. Daveed Diggs e Awkwafina, vozes originais do Sebastião e do Sabidão, são os maiores responsáveis pelo humor e pelos momentos mais leves do filme e assim eles enchem os bichos de personalidade.
Só que não dá pra dizer o mesmo do Linguado. Mesmo com a voz fofa de um Jacob Tremblay ainda criança, que combina bastante com o personagem, ele parece um peixe morto o filme inteiro e todas as interações da Ariel com ele são meio esquisitas. Não chega a ser estranho que o filme se livra dele por boa parte da trama. Por outro lado, a Vanessa de Jessica Alexander tem pouco tempo em tela assim como no original, mas ela tira o melhor desses minutos.
Javier Bardem está apenas ok como Rei Tritão. Ele consegue ser imponente mas não oferece nada de muito memorável. Nos últimos meses houve um interesse crescente nas irmãs de Ariel, que supostamente teriam mais personalidade e mais importância nesse novo filme. No entanto, elas são tão secundárias quanto na animação e mal possuem falas.
Adições relevantes
O live-action de A Pequena Sereia é consideravelmente mais longo que a versão animada, e o que faz essa duração estendida funcionar é o fato de o diretor Rob Marshall e sua equipe terem optado por adicionar cenas e momentos entre os personagens que melhor estabelecem as relações entre eles ou que expõem as personalidades deles de forma mais explícita. Com exceção de duas das músicas (mais sobre isso logo abaixo), não há adições desnecessárias ou que alterem drasticamente os rumos da história.
Quem ganha mais espaço é justamente o Eric, que vira uma espécie de espelho da Ariel já que também se sente limitado pela mãe, e possui uma curiosidade que extrapola o território de seu reino. Assim, a conexão entre ele e a sereia se torna praticamente inevitável, já que eles compartilham paixões e anseios. Nesse novo filme, também há um pouco mais da realidade do reino de Eric e dos dilemas que ele enfrenta, mesmo que isso não seja explorado tão a fundo.
Dá pra enxergar?
Com os materiais de divulgação, criou-se um medo online de que A Pequena Sereia estivesse escuro, pouco colorido e com efeitos visuais ruins para as cenas debaixo d'água. Vendo o filme no cinema, essa impressão rapidamente se desfaz. As cenas na água chamam atenção pelo nível de detalhes e pela textura crível nos cenários. A movimentação de alguns personagens como a própria Ariel parece truncada às vezes, mas no geral os seres do mar nadam e se movimentam de maneira fluida. Há de fato alguns momentos mais escuros, seja na água ou na terra, mas nada que atrapalhe a experiência na telona.
Já sobre a cor, ela está bem presente, sobretudo nos números musicais (com exceção de Beije a Moça/Kiss The Girl). Havia um grande ceticismo da minha parte em como eles recriariam Aqui no Mar/Under the Sea com animais realistas, mas acaba sendo uma das melhores cenas de todo o filme. Rob Marshall explora diferentes visuais com diferenes criaturas marinhas, coloca a Ariel pra cantar e coreografa tudo nos mínimos detalhes nesse que é um dos momentos mais deslumbrantes do longa, com o oceano em festa. Corações Infelizes/Poor Unfortunate Souls também encanta, com Melissa McCarthy mostrando que tem a voz bem afiada e dando um show como Úrsula.
As novas músicas mais decepcionam que ajudam. Na real, No Fundo Dessas Águas/Wild Uncharted Waters é o momento mais fraco de todo o filme e interrompe uma ótima crescente do longa, porque a composição não é das melhores e nem o esforço de Jonah Hauer-King é suficiente para superar a sensação de que tudo ali é muito forçado, mesmo. Zum Zum Zum/The Scuttlebutt te faz rir com uma cena engraçada, mas é mais piada que música. Apenas Tudo é Tão Novo/For The First Time se justifica na narrativa em razão da ótima entrega de Halle (de novo) e por enfatizar o destaque nesse momento de virada para Ariel, a chegada na terra.
Acerto em cheio
Ao reverenciar a animação original, sem ter medo de se apropriar de momentos-chave e dar mais impacto a eles, ao adicionar elementos que engrandecem as relações entre os personagens e com a entrega emocionante de Halle Bailey como Ariel, um papel que ela parece ter nascido para interpretar, A Pequena Sereia se coloca como a melhor adaptação em live-action de uma animação da Disney.
O filme reconta a história tão adorada com uma paixão clara, escancarada nos olhos da própria protagonista, com um elenco praticamente perfeito para cada personagem e com a visão de um cineasta que sabe como fazer um espetáculo e como engrandecer momentos icônicos, imprimindo um visual sólido em uma produção que encanta como a original.
A Pequena Sereia
Ano: 2023
Direção: Rob Marshall
Elenco: Halle Bailey, Jonah Hauer-King, Melissa McCarthy, Javier Bardem, Daveed Diggs, Awkwafina, Jacob Tremblay e Noma Dumezweni.
Com a paixão, o talento e a entrega emocionante de Halle Bailey, A Pequena Sereia se consagra como melhor remake em live-action da Disney até hoje.
Nota: 4.5/5
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